Carta de Lyon

Das Minas Gerais para Lyon e de Lyon para todos que gostam de compartilhar experiências. Navegar é preciso, viver não é preciso! Vinhos, gastronomia, culinária, costumes, hábitos, paisagens. Liberté, Égalité. Fraternité. Libertas quae sera tamen. Uma mistura a rechear estas Cartas de Lyon.

3.10.04

Roteiro de 02/10 - A noite Lyonnais

Apesar do título vou começar pelos passeios do dia. Já havia percebido que aqui em Lyon a história da segunda guerra ainda é muito presente, e principalmente a história da resistência francesa. Em algumas ruas por onde passava via referências sobre a execução de algum francês importante, ou um confronto que foi travado ali. Por isso, e como também estou perto do Museu da Resistência, resolvi ir até lá pra receber um banho de história. É um belo museu, onde a gente recebe um fone de ouvido e á medida que se caminha pelas salas vai se escutando as explicações, o som dos bombardeios, os discursos, os manifestos e vai entrando no clima e se emocionando pela forte experiência dessa cidade e desse país de ter sido invadido, ocupado, submetido em seus princípios e valores (Lyon é a primeira grande cidade francesa próxima a divisa com a Alemanha). E ao mesmo tempo a força e o ideal de resistência que se organiza, pouco a pouco, para fazer frente ao autoritarismo. Há principalmente uma bela homenagem aos judeus que foram deportados daqui. São imagens duras, às vezes chocantes, as vezes bonitas! Faz-se também uma análise forte daqueles que aderiram e colaboraram com os invasores, os valores que os impulsionaram, principalmente a adesão, às vezes tão sedutora, ao exercício do poder e do mando.
Uma história que pra nós fica tão distante, toma outra dimensão, quando eu vejo lugares que hoje me enchem de encantamento, cercados, bombardeados, depredados... Dá pra se perceber a força da insanidade que move qualquer espécie de guerra.
De lá, para me refrescar um pouco das imagens anteriores, resolvi pegar um dos “tram”, que na verdade são como ônibus elétricos, com janelas panorâmicas, que cortam alguns bairros da cidade. Não pude deixar de me lembrar, quando ainda menina, ia até a avenida Amazonas, para pegar o ônibus elétrico, tão bonito, tão agradável, e infelizmente extinto com tanta presteza. Viajei pela memória de menina e fui retomando meu encantamento pelas ruas dessa cidade e pelo conjunto de seus prédios.
Voltei para casa, para almoçar e descansar, porque já havia combinado sair hoje à noite. Começo a me enturmar aqui, a encontrar outros brasileiros, e a me aproximar dos outros estrangeiros que estão na mesma situação que eu. Parece que nos aproxima e nos ajuda o desejo e a necessidade de todos de abrirmos possibilidades de convivência.
Por volta das dezoito horas chegávamos à place des Terreaux. Linda, enorme, como tantas coisas aqui, cercada pelo Hotel de Ville, Museu de Belas Artes e outras construções belas e suntuosas. Em um dos lados, um grande e bela escultura em bronze no centro de uma grande fonte. E dos dois lados da fonte, inúmeros bares, lotados e deliciosos, dando à praça um movimento e burburinho intenso. Tomei minha primeira cerveja, graças a Deus! Mas não pude fazer muita graça, porque morri em 9 euros, pra tomar duas cervejinhas (long neck) e matar a saudade!
Mas ali, naquela praça, no meio daquele movimento vi chegar a noite de Lyon. A tonalidade do céu vai se avermelhando, é o vermelho forte do sol europeu, que já me encantava em Paris. À medida que se escurecia, a iluminação dos monumentos da cidade começa a ganhar a atenção (Lyon é uma referência mundial de iluminação de monumentos históricos). Você não vê onde estão as luzes, nem de onde saem os raios de luz, mas os monumentos, vão se apresentando em contraste com a noite e realçam em sua beleza, em seus detalhes. Pra melhorar ainda mais o clima, no fundo da praça, em um palco, um conjunto começa a tocar música francesa (é claro).
De lá, já um pouco mais tarde, fomos caminhar, nos deixando levar pelas esquinas. O movimento é intenso e das margens do rio, iluminado, se pode ter um outro olhar sobre a cidade.
Como sempre fui noturna, e adoro o movimento da noite, me deliciei com essa caminhada. São quebradas de esquinas, praças, cantos que sempre me surpreendem em vistas e olhares novos.
Chegamos a rue Merciére, onde já estive de dia almoçando, e já havia adorado. Todos os restaurantes lotados, com iluminações e decorações maravilhosas. Pessoas elegantes e principalmente belíssimos e admiráveis exemplares dos homens franceses. Uma beleza!!!! Que clima!!!!
Por ali ficamos um bom tempo, mas por sugestão de um amigo, fomos a uma casa de jazz francês (se é que se pode dizer assim) onde haveria um show. Mas tudo aqui é fantasticamente ligado à história. O palco se localiza no segundo andar de um subsolo onde se desce por uma escada e uma estrutura de pedras fantástica. O lugar tem 400 anos, uma verdadeira cava renascentista. Belo show! E de alma leve retornamos tranqüilos, andando sossegados pelas ruas, tomando metrô perto da uma hora da manhã (cheio, lotado de pessoas de todas as idades, que retornavam tranqüilas para suas casas). Como é bom poder andar sem medo!