Carta de Lyon

Das Minas Gerais para Lyon e de Lyon para todos que gostam de compartilhar experiências. Navegar é preciso, viver não é preciso! Vinhos, gastronomia, culinária, costumes, hábitos, paisagens. Liberté, Égalité. Fraternité. Libertas quae sera tamen. Uma mistura a rechear estas Cartas de Lyon.

10.10.04

Os Mistérios

A importância do passeio de hoje não foi conhecer lugares novos, mas a possibilidade da convivência, que aqui é o bem mais precioso que a gente tem pra cuidar. Por isso, resolvi acompanhar duas colegas italianas em lugares por onde já estive – Colina de Fourviére e Vieux Lyon. Poder conversar, por em ação meu francês ainda precário, comentar sobre os lugares, é também uma ótima experiência. Mas sempre se descobre coisas novas...
Por exemplo, dessa vez, estava aberto o museu de arte sacra e então pudemos conhecê-lo. Em termos de arte sacra, achei o museu bem fraquinho (comparando com os nossos), mas ele tem uma parte muito interessante que são as representações de Nossa Senhora – Maria, muita rica, com peças desde 1200. Algumas lindas, de muita delicadeza. O culto a Nossa Senhora nessa cidade é fortíssimo e atribui-se à ela proteções importantes à cidade, como a erradicação da peste (lá pelos 1600), comemorada todo ano, desde então, na festa das luzes, dia 8 de dezembro, que dizem ser maravilhosa. A outra proteção, foi contra a invasão prussiana, lá pelos 1800 e qualquer coisa. Por isso a igreja majestosa e rica foi construída e ao seu lado uma grande torre, com uma Nossa Senhora dourada no topo, abençoando a cidade, tudo como promessa. Agora, o mais curioso, é que na colina ao lado – Croix Rousse, que era o bairro dos Canuts, os operários da seda, a história forte que se tem, é a das bruxas, das bruxarias. História pouco contada, pouco referenciada, mas muito presente, principalmente nas lojas. Vê-se aqui bruxas de todas as espécies para enfeites, marionetes, brinquedos, algumas lindas! Aliás, essas duas colinas já se opuseram de muitas formas, em guerra mesmo, há mais de 200 anos, e até hoje as oposições aparecem nas descrições: “uma colina trabalhava a outra rezava, uma colina é dos ricos, a outra dos operários”. Essa forte questão da bruxaria e do culto à Nossa Senhora me fez lembrar o livro “O feminino e o sagrado” e acho que ele está muito presente aqui.
De lá descemos caminhando pelo parque das hortências e começo a me encantar e a conhecer as cores do outono. São lindas! O parque, que algumas semanas atrás era todo verde, já não é mais e o chão já fica inteiramente coberto de folhas.
Depois as vielas e chegamos à praça onde fica a Catedral de St-Jean, e uma boa surpresa, pois hoje tinha nela a apresentação de uma banda. Ali ficamos um bom tempo e depois fomos conhecer novos Traboules (as tais passagens cobertas entre prédios e ruas). Nossa, entrei em algumas fantásticas! A gente vai entrando por elas e na história e o clima é inteiramente misterioso. O que deveria ser isso há 400 anos atrás? Nesse entra e sai por ruas e traboules, deixamos passar a tarde.

10/10/04 – A vida operária
Hoje fui sozinha mesmo. O povo aqui acha que só podem sair uma vez por semana; o resto é estudo. Eu que sempre tentei conjugar as coisas, acho que já basta eu estudar muito durante a semana. E já acho que estou com uma vida muito santa aqui!
Achei que estava conhecendo muito o lado dos ricos e resolvi conhecer a parte turística do lado operário. Comecei pelo que chamam Museu Aberto Tonny Garnier. É um bairro, operário (nada comparável com os nossos) que foi projetado e revitalizado por esse arquiteto. São vários prédios, como um grande conjunto habitacional, feito na década de 20. Têm seu charme próprio. São prédios de no máximo 6 andares, com varandas, áreas externas de convivência com muito verde, mas o que ele tem de mais interessantes é que, um lado do prédio, que é sem janelas, tem pinturas grandes, enormes, algumas com ilusão de profundidade, outras não. E as pinturas são as mesmas, sempre preservadas. Já tivemos coisas dessa tradição aí em Belo Horizonte, como aquele prédio da Afonso Pena com Contorno, ou alguns grandes murais em outros edifícios. Aqui, é um conjunto de 25 murais, muito bem conservados e interessantes.
De lá fui para a colina dos Canuts – Croix Rousse e andei muito por suas ruas. É uma delícia. São prédios muito antigos e menos arrumados pra visão do turista. Tem casas antigas, lindas na arquitetura! Mas o que mais gostei foram os ateliers de seda. Ah, meu Deus, uma perdição! Cada coisa de babar. Tem dois que entrei, que são como um verdadeiro museu e os lenços, écharpes e gravatas são maravilhosos! Não dá nem pra ficar tentada porque o preço... é só pra admirar mesmo!
A principal praça do bairro estava invadida por um parque infantil e de novo os lindos carrocéis. Nessa praça, os restaurantes serviam grandes bandejas com vários tipos de ostras e caramujos (será que lá no meio tinha o tão famoso scargot? Aqui é a região mais famosa de sua cozinha) e juro que fiquei tentada. Mas vocês já devem ter percebido que estou passeando menos pelos sabores gastronômicos, é que resolvi ficar um pouco mais econômica até receber minha bolsa, mas voltarei em breve. Me aguardem!