Carta de Lyon

Das Minas Gerais para Lyon e de Lyon para todos que gostam de compartilhar experiências. Navegar é preciso, viver não é preciso! Vinhos, gastronomia, culinária, costumes, hábitos, paisagens. Liberté, Égalité. Fraternité. Libertas quae sera tamen. Uma mistura a rechear estas Cartas de Lyon.

24.10.04

16/10/04 – O frio dá seus sinais

Estou percebendo cada vez mais o que é a força e o calor de um sol tropical. Aqui, se as nuvens chegam e cobrem o sol, o frio vem em seguida, rápido e cortante. Foi nesse frio intenso (com certeza algo já beirando os dez graus) que tive a alegria enorme de receber minha orientadora aqui e pude então passear conversando em português, compartilhando, com as mesmas expressões, as belezas que víamos.
Começamos pelo almoço porque já estava mais tarde, e aqui muitos restaurantes fecham em certo horário. Escolhemos um outro prato típico daqui; uma espécie de dobradinha à milanesa (“les tripés” são feitas aqui das mais variadas formas). Não foi lá nenhuma maravilha e o melhor sabor vinha dos acompanhamentos e do vinho bem honesto, um Côte du Rhône.
Passeamos depois por Fourviére, por Vieux Lyon, mas dessa vez descobri, encantada, novas coisas. Já havia entrado na catedral de St. Jean, de construção medieval, gótica, mas não tinha reparado bem em seus vitrais. Eles são maravilhosos, principalmente as rosáceas, com cores e desenhos fantásticos. Soube inclusive que a tecnologia e fórmulas empregadas para se tratar o vidro, produzindo algumas de suas cores, se perderam no tempo, e não se consegue mais reproduzí-las. Dentro da catedral, tem também um relógio astronômico sobre o qual se tem escritos que datam de 1200, ou seja, ele é anterior a isso. Fico impressionada com a capacidade do homem de fazer engenhocas como aquela em épocas tão distantes.
De lá caminhamos muito, mesmo debaixo de chuva fina, conhecendo novos traboules, que cada vez acho mais simpáticos e mais misteriosos. Passamos por um velho atelier de seda, que até hoje preserva a tecnologia de trançar a seda com fios finíssimos de ouro, como alguns reis usavam. Pude ver o fio da seda colocado no tear, e de tão fino, ele às vezes some da nossa vista. Aí penso no trabalho para colocar centenas de fios na trama necessária para a trançagem.
Depois de mais passeios a pé, já escurecendo, o frio exigia um chocolate quente e aí nessas horas, o calor do aquecimento é mesmo uma benção. Já estou aprendendo a tirar e colocar casaco toda hora.
Novas caminhadas e então, na linda e movimentada Rue Mercière, que mesmo com o frio e chuva estava cheia, escolhemos um restaurante para apenas comermos uma salada. Mas, logo na hora que entramos, vimos que tínhamos ido parar em um lugar maravilhoso! Ambiente lindo e agradabilíssimo, chic, aconchegante, muito bem decorado. Chama-se Le Bouchon aux Vins e logo pela carta de vinhos percebo ser um lugar de muitas opções. Ao ir ao banheiro (toilette é tão mais chic! Parece até outro lugar) descubro uma maravilhosa adega. Na volta escolhemos então um vinho dos deuses: Croze Hermitage (pedimos a taça, pra não exagerarmos no gasto). Vinho encorpado, aveludado, de cor bem fechada e de sabor... uma delícia! Pedimos a salada Lyonnaise, simples, mas deliciosa: folhas, pedacinhos de bacon e crutton, e um ovo frito molinho por cima de tudo. O incrível é como eles conseguem deixar o ovo como uma bolinha redonda toda branca. A comida aqui é muito estética e eu adoro isso!
Quando pagamos a conta, que foi honestíssima, aí vejo que estávamos mesmo em um restaurante muito chic. Recebi um cartão de fidelidade (tipo nosso caderninho do Festival de Buteco) e, se for a sete restaurantes dos selecionados como Bistrots de Cuisiniers (estávamos em um deles), ganho um desconto de 105 euros (pasmem, desconto!!!!) em um restaurante chamado Léon de Lyon, em um jantar para duas pessoas. Loucura total!
Fomos embora aquecidas pelos sabores e pelas ótimas conversas.

17/10/04 – As belas vistas de Croix Rousse
Hoje a chuva deu uma trégua e isso ajudou muito no passeio. Existem cinco roteiros possíveis para se fazer conhecendo as vielas dessa linda colina. Escolhemos o roteiro Rouge e da Place des Terreaux, começamos a subir. É um caminho tortuoso, onde se atravessam pequenas vielas e sobe-se muitas escadarias que sempre abrem belas vistas, belos recantos de encontros de construções coloridas. Há três pontos altos desse passeio: o primeiro é o Amphi-theâtre des Trois Gaulles – são ruínas romanas datadas de 48 d.c.- trata-se de uma arena onde foram sacrificados cristãos e onde haviam lutas de gladiadores. Incrível ver vestígios desses lugares, daquelas coisas que só conhecemos pelos livros e pelos filmes. Outro lugar maravilhoso é uma vista, já na parte mais alta, de onde se descortina uma boa parte da cidade cortada pelo Saône. À direita, se avista a colina de Fourviére e a imponência de sua igreja, abaixo a força gótica da catedral de St Jean e os lindos telhados formando planos diferentes. E o terceiro ponto, são os ateliêrs de esculturas, as casas de chá, ótimas pra se apreciar e aproveitar pra se descansar um pouco.
Chegamos ao Boulevard de Croix-Rousse, lindo, movimentado, todo arborizado, com as folhas das árvores já de cores muito variadas. Depois de andarmos um pouco pelo bairro, fomos comer alguma coisa e hoje optamos por algo mais simples, um sanduíche (que aqui na verdade nunca é uma coisa muito simples; o presunto é tipo Parma e o queijo lembra o Roquefort só que feito de leite de vaca, uma combinação ótima) e tomamos um chopp mais leve e mais barato que se chama Blanche.
Resolvemos descer de ônibus pra vermos um pouco da cidade, mas quando ele começou a descer começamos a reparar nas vistas, nos telhados, na vegetação mais fechada e não tivemos dúvida, descemos do ônibus pra apreciarmos melhor a pé. Aí descobrimos um parque encantador de onde se tem a vista da parte detrás das colinas. As construções à margem do Saône são lindas, uma colada nas outras, com sacadas floridas e é uma beleza se ver o rio por ali. Realmente, em cada canto da cidade, uma nova janela se abre, pra novos olhares...

Mas o dia, ou melhor, a noite, ainda ia durar. Havíamos combinado, juntamente com um outro casal de Belo Horizonte que também está aqui em Lyon, de tomarmos um vinho e sermos iniciados em uma bela amostra dos queijos franceses. Viemos para a minha casa. Tenho tomado belos vinhos aqui, mas os dessa noite foram especiais: um Bordeaux superiére (premiado, medalha de prata em 2003) que se chama Châteaux Cazeau, 2001, e o fantástico Côte Rôtie, 1998, que é considerado o melhor vinho de toda a região Beaujolais, e ele realmente vale a fama. Quanto aos queijos, uma outra maravilha; além do Roquefort e do Chèvre, que são bem conhecidos, experimentei quatro maravilhas: o Reblochon e o Tomme, mais macios e mais leves, e o Comté e o seu primo chic o Boeafort (que lembra um pouco o Grana Padano) mais consistentes e de sabor mais proeminente, fora os patês du campagne, para acompanhar. Só de escrever aqui estou com água na boca. E o mais delicioso de tudo, um dos presentes, além de professor é músico, e nossas conversas foram entremeadas por um belo violão tocando bossa nova. Pura maravilha, ô trem bão sô! Bom demais da conta!!!!!!
22/10/04 – Encontro de pessoas e línguas
Hoje, o dia de passeio começou tarde, porque a opção era ir ao cinema. Aqui está acontecendo o festival Truffaut e então fomos ao Instituto Lumière (os irmãos Lumière são daqui de Lyon). É uma bela construção em uma linda praça e, além de um museu, um parque, um muro onde se vê inúmeras placas celebrando a visita dos diretores mais famosos do mundo, tem uma sala de exibição como eu nunca vi igual. Assisti o Homem que amava as mulheres, que já tinha até visto no Brasil, mas foi uma ótima oportunidade de revê-lo e de treinar meu francês.
De lá, mais tarde, motivo de uma grande alegria pra mim, fui à primeira festa de aniversário aqui, de uma colega espanhola, na própria cafeteria da Ecole. Uma delícia, era praticamente uma festa de estrangeiros de inúmeras nacionalidades, pra vocês terem uma idéia, o parabéns foi cantado em francês, espanhol, italiano, alemão, português, russo, romeno e inglês, uma beleza esse encontro de línguas e essa convivência que se vai construindo devagar!
Claro que levei meus Cds de samba e pude, com os outros brasileiros e vários adeptos, dançar um pouco da nossa deliciosa música, matando um pouquinho da saudade!