Passeios em Lyon - 26/09
Acordei com o propósito de fazer duas coisas hoje, passear pelo parque de Fourviére e depois descendo por ele, passar pelo Albergue da juventude daqui de Lyon. Pelo mapa vi que ele estava no caminho e como “pra baixo todo santo ajuda”, era preferível começar por cima, pelo mais alto, que chego de Funicular, e depois descer.
No metrô já aconteceu algo bem interessante: cruzei com uma colega italiana que conheci em um dos dias que fui ao cinema da universidade. Nos demos bom dia e conversamos um pouquinho. Sabem o que isso significa? Um evento muito marcante: encontrei casualmente uma pessoa conhecida. Isso é muito em um lugar de rostos desconhecidos. Essa coisa tão corriqueira de um encontro casual onde se diz: oi, como vai? Pode ganhar o sentido de uma pega, de um laço, já não se é só estranho, estrangeiro. Achei que ela também ficou mais feliz com isso, porque por duas vezes nos demos tchauzinho, de lados opostos da plataforma do metrô, como se confirmássemos pra nós mesmas aquele re-conhecimento. Já tinha reparado que as vezes olhava pras pessoas nos lugares mais cheios (tipo estação, praça e restaurantes) e identificava rostos conhecidos, semelhanças. Engraçado como a gente busca isso, e pensava assim: olha como parece fulana!
Hoje o dia inteiro foi muito frio, acho que até um pouco mais do que ontem, porque hoje o sol não apareceu. Já vejo pessoas com cachecol e luva e, com certeza, logo estarei usando os meus.
Chegando à Basílica, que fica no ponto mais alto de Lyon, a vista é realmente encantadora. Primeiro porque ela é linda, enorme, imponente, toda decorada por fora, cheia de símbolos e imagens. E por dentro... não resistí a entrar de novo. É uma obra magnífica a decoração bizantina que a reveste inteirinha. A gente fica mesmo pasmado, encantado. Realmente admiro a capacidade de ação do homem que é capaz de fazer aquilo.
Peguei o final de uma missa e aí pude apreciar um pouco do órgão e do coral. Coral grande, com várias vozes e maestro e tudo. Era uma missa toda cantada, tipo aqueles cantos gregorianos, e isso em uma igreja como aquela, forma um ambiente emocionante! O clima religioso, reflexivo, torna-se realmente envolvente e leva a gente pra memórias e introspecções.
Saindo de lá, uma vista panorâmica de toda a cidade e seus belos telhados. Do alto da colina, Lyon se mostra toda plana e pode-se ver desde longe o curso de um do seus rios – o Shaône.
Entrei, então, no parque e comecei a descer. É um caminho de descida forte que vai serpenteando por dentro de uma mata bem fechada. Tem uma área chamada de jardim das hortências, mas é claro que não havia nenhuma agora, porque não é época, mas deve ser lido quando está florido. Aliás, sinto falta de flores. É um belo parque, mas só de verde, e o outono já trás suas marcas enchendo o caminho de folhas.
Juntando o freio da sola do sapato, vou descendo. Aí saio em uma rua, ainda na parte íngreme da colina e daí pra frente vou caminhar entre casas, prédios e construções. É aquela típica rua de filmes franceses; estreita, íngreme, cheia de curvas, com as construções quase invadindo a pista. É a parte das construções antigas, e são novas paisagens que vejo. De repente se abrem buracos de vista e se descortinam próximos, os telhados de Lyon, é uma beleza! Aí se entende porque tantos postais trazem essa imagem. É uma coisa de doido! Delícia de caminhada!
Mas, chego em uma praça já velha conhecida e nada do Albergue. Me perdi de novo.
Já fui melhor no seguir os caminhos dos mapas. Será que já não enxergo tão bem? Isso significou que não escapei de uma boa subida por outra parte da colina. Mas nada sacrificante: outros caminhos, outras visões... Inclusive, passei perto de um grande queda d’água, que faz lembrar uma cachoeira caindo da mata que é muito bonita.
Finalmente cheguei ao albergue e olha, minha primeira impressão é que a palavra juventude não está ali a toa mesmo. Apesar do lugar privilegiado do albergue, o lugar não me agradou, é coisa só pra dormir mesmo. Já não tenho mais idade pra isso. Mas para os amigos que tiverem, os preços são bem razoáveis. Achei um entra e sai de muitas pessoas, lixos cheios na parte externa e coisas pelo chão, corredores mais apertados e tem ducha no quarto, mas o banheiro é coletivo. Neca! Sem chance.
Descendo de volta, começo a pensar em almoçar.
Escolhi um pequeno restaurante, simpático, que depois vou saber estar em um dos prédios mais antigos de Lyon. Estava decidida a comer um dos pratos bem típicos daqui, sobre o qual havia lido ontem. Trata-se de uma espécie de massa feita com farinha de sêmula de grano duro. O aspecto lembra o de um bolinho de mandioca grande, que vem nadando em um molho bem generoso, gratinado, do qual já senti o cheiro de coisas do mar. (depois descobri que nesse molho entra caldo de caranguejo) - quenelle.
O garçon era uma simpatia, logo descobriu que eu era brasileira e se referiu delicadamente a várias coisas do Brasil como a música, a dança, as pedras preciosas. Uma delícia! Bom, mas comecei pela salada e essa, meu querido Zé, seria pra você a melhor. Fatinha, achei simples e ótima de se fazer, quem sabe você arrisca? Bom, alfaces comuns e rochas, rasgadas, pedaços de tomate, enfeitando a lateral, algumas folhas de manjericão, um molho de mostarda mais raleado (talvez com um pouco de vinho) e uma quantidade bem boa de fígado de frango, cozido e levemente passado na frigideira para tostar, quando então se deve colocar algumas pitadas de pimenta do reino. Maravilhosa! Deliciosa! Já começo a identificar e reconhecer algumas coisas no cardápio. Em seguida veio então o tal do quenelle, que pra dizer a verdade não me agradou muito não. O molho é ótimo, mas achei mais gostoso comê-lo com as batatas do que com a tal massa, que achei meio sem graça, sem tempero.
Na porta do restaurante, um dos garçons fazia crepes e é mesmo incrível como o francês faz fila para crepes. Para então fechar o dia do típico, fui de sobremesa de crepe de chocolate. Também não sou muito, muito, chegada em crepes não, mas sou chegada em chocolate e por isso o escolhi. As coisas por aqui são realmente muito engraçadas em relação à higiene; a pessoa que fazia o crepe, com a mesma mão que pegava o dinheiro e dava o troco, virava a massa, e as vezes passava o dedo e lambia a beiradinha das colheres que usava para servir os recheios. Incrível, não?
Mas o mais interessante estava por vir, perguntei onde era o toilette e me indicaram a entrada em um corredor. O banheiro está ao fundo, e esse corredor, antiquérrimo lembrando um trabolle (passagem típica aqui, das construções renascentistas, que liga ruas ou um prédio a outro) dá em uma escadaria interna (clima misterioso) que leva aos andares superiores do prédio. Tem registros de pinturas antigas encontradas nas paredes e entram grupos de turistas para verem a passagem, a escadaria e as pinturas. O fundo do restaurante dá pra esse lugar, e é todo de vidro. Super-legal. E aí, meus amigos, lembram-se que o prédio era dos mais antigos? Pois é, o toilette, era fossa. Fazer xixi em pé, pezinho lá e outro cá, buraco no chão. Vim usar aqui na França a minha experiência desenvolvida na roça das Minas Gerais.
Saí de lá rindo, e fui caminhando devagar, vendo lojas, porque minha intenção era chegar sem pressa ao museu dos autômatas (são esses bonecos que se mexem sozinhos) coisa muito comum por aqui, como também as caixinhas de música, prima-irmã dos autômatas.
Ai, é uma delícia esse museu. Tem vários bonecos e várias cenas. Como não poderia faltar, homenagem a Rabelais e seu Pantagruel e cenas da tecelagem, produção do vinho, passagens de óperas, peças famosas, outros livros de autores famosos franceses, cenas religiosas, históricas e a parte mais linda, o circo e seus palhaços e os personagens infantis desde os contos de fadas, os franceses e até os da Disney. O mais legal é que o construtor e responsável pela manutenção dos bonecos, um velhinho muito simpático, acompanha as pessoas e comenta e explica cenas. Uma graça. Voltei pra casa com espírito leve.
Semana que vem, novos passeios.